sexta-feira, 29 de julho de 2016

Segurança alimentar: sistemas agrícolas e ecologia

Um dos desafios de lidar com a segurança alimentar global é a notável diversidade dos sistemas agrícolas que existem em todo o Mundo. Esta traduz no que os agricultores produzem, como produzem, nos desafios colocados pelo clima, solo, topografia, pestes, biodiversidade e pelos custos de transportes. Estas variações têm um efeito enorme nos sistemas agrícolas e as suas estratégias. Parte de um diagnóstico e soluções adequados para um fornecimento de alimentos global sustentável depende de um conhecimento completo de como os sistemas agrícolas diferem em todo o Mundo.

Existem cerca de 130 milhões quilómetros quadrados de superfície terrestre e uma grande proporção já foi tomadas para as necessidades humanas. A agricultura constitui à volta de 50 milhões quilómetros quadrados, aproximadamente 40% da área total da superfície terrestre. Cerca de 14 milhões quilómetros quadrados são área arável e cerca de 34 milhões quilómetros quadrados são prados e pastagens. Os outros 39 milhões de quilómetros quadrados são florestas, que corresponde a 30% da área da superfície terrestre. Uma modesta proporção das florestas é usada para produção de papel, madeira e outros produtos. O resto da superfície terrestre - em volta de 41 milhões quilómetros quadrados (cerca de 30%) são áreas inabitáveis compostas por desertos e zonas montanhosas. Segundo estimativas recentes, a paisagem urbana, rural e industrial ocupam 6% da superfície terrestre.

A figura abaixo onde se encontra as áreas agrícolas - áreas de cultivo e pastagens.

Distribuição de pastagens e áreas de cultivo em 2007
(Fonte: https://f.hypotheses.org/wp-content/blogs.dir/1343/files/2015/04/1021.png)

As áreas a verde, onde as áreas de cultivo são superiores a 50%, incluem o Midwest nos Estados Unidos, partes da Europa ocidental, central e oriental, a Rússia, partes da China e a Índia. Em África e na América do Sul, as áreas de pastagens e de cultivo encontram-se misturadas.

Existem duas áreas de florestas que se podem destacar a nível mundial. A primeira é a floresta tropical que se encontra ao longo do equador. A precipitação e a altas temperaturas proporcionam as condições para a existência das três grandes florestas tropicais do equador: a Amazónia, a Bacia do Congo e as florestas do arquipélago da Indonésia. As outras regiões com florestas importantes encontram-se em altas latitudes como a floresta boreal ao longo do continente euro-asiático e Canadá. Ao contrário das florestas que situavam em latitudes médias na América do Norte, Índia, China e Europa, a floresta boreal permanece porque não pode ser usada para agricultura devido às baixas temperaturas.

As florestas do Mundo
(Fonte: https://bloomtrigger.files.wordpress.com/2010/10/20100925_srm965.gif)

A localização das áreas de cultivo, pastagens e florestas está intimamente ligada com as condições ecológicas, que incluem a temperatura, a precipitação, a topografia, se a irrigação é possível, entre outras. As densidades populacionais e áreas agrícolas são prevalecentes em zonas de latitudes intermédias, onde a natureza dos solos, as temperaturas moderadas e a precipitação favorecem a prática da agricultura.

Muitas das florestas actuais estão a ser ameaçadas pela desflorestação, especialmente as florestas tropicais equatoriais. As populações estão a invadir estas zonas por diversas razões - transformar a floresta em pastagens ou áreas de cultivo, extrair madeira para combustível ou para obter outros bens ou serviços. O ritmo de desflorestação é actualmente insustentável em todas as grandes florestas tropicais. Algumas das florestas são estão a ser destruídas pela sua madeira maciça, que é bastante valorizada por todo o Mundo. Por outro lado, as florestas tropicais estão a dar lugar a plantações para produção de óleo de palma, sendo que este problema é particularmente grave em países como a Indonésia, Malásia e Papua Nova Guiné.

Fonte:
The Age of Sustainable Development - Jeffrey D. Sachs

terça-feira, 26 de julho de 2016

Segurança alimentar: mal-nutrição

Um dos problemas mais complicados de resolver dentro do contexto do desenvolvimento sustentável é a forma do Mundo se alimentar a si próprio. Este é um problema antigo, apesar de muitas pessoas pensarem que tinha sido resolvido com grandes desenvolvimentos na produtividade alimentar baseados em avanços científicos. Especialmente durante a revolução verde que aconteceu durante os anos 60, parecia que a produção alimentar iria satisfazer a população em crescente número. Agora temos sérias dúvidas.

Estes alertas têm estado connosco por mais de dois séculos, começando em 1798 com Thomas Robert Malthus que, no Ensaio sobre o Príncipio da População, apresentou o desafio da segurança alimentar para uma população crescente número. O argumento básico era que um estímulo temporário na produção de alimentos, capaz de aliviar a insegurança alimentar, iria causar um aumento de população a ponto da humanidade regressar a uma situação de insegurança.

Quando Malthus colocou este problema, existiam 900 milhões de pessoas no planeta. Desde então, a população aumentou por um factor de 8. Com 7,4 mil milhões de pessoas no planeta e com a população a crescer cerca de 75 milhões de pessoas por ano, o desafio de alimentar o planeta está novamente presente. Porém, o problema é ainda mais complicado do que Malthus poderia imaginar, por quatro razões:
  1. Uma parte significante da população mundial é subnutrida.
  2. A população mundial continua a aumentar.
  3. As alterações climáticas e outras alterações no ambiente ameaçam a produção de alimentos no futuro.
  4. O sistema alimentar é ele próprio, um responsável importante para as alterações climáticas e outras ameaças ambientais.
A mal-nutrição é um problema perverso: cerca de 40% da população é subnutrida de uma ou outra forma. Uma competente importante da mal-nutrição é a fome crónica. A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) defina fome crónica como a ingestão insuficiente de energia (calorias) e proteínas, tendo estimado cerca de 870 milhões de pessoas nesta situação entre 2010 e 2012.

Outro tipo de mal-nutrição, ainda que menos visível, é a chamada fome oculta ou insuficiência de micronutrientes. A quantidade de calorias e proteínas podem ser suficiente mas os micronutrientes como as vitaminas e alguns ácidos gordos não estão presentes na dieta de forma adequada. Este tipo de insuficiências resultam em vários tipos de doença e vulnerabilidade a infecções. Em muitos países de baixo rendimento prevalecem as deficiências de micronutriente chave com a vitamina A, vitamina B12, zinco, ferro, ómega 3 e iodo.

O terceiro tipo de mal-nutrição atinge agora proporções epidémicas em muitas partes do mundo, em especial os países mais ricos, que é a ingestão excessiva  de calorias levando à obesidade, o que significa que a massa corporal é demasiada para a altura do individuo. Tecnicamente, a obesidade é normalmente definida quando o índice de massa corporal (IMC) é superior a 30. Massa corporal excessiva é definida quando o IMC é superior a 25. Estima-se que aproximadamente 1/3 dos adultos tem massa corporal excessiva e que 10 a 15 % sejam obesos.

Em suma, os números são impressionantes. Cerca de 900 milhões de pessoas sofrem de fome crónica. Talvez 1 milhar de milhão sofrem de uma ou outra insuficiência de micronutrientes. Aproximadamente, 1 milhar de milhão de pessoas são obesas. E portanto, no total, à volta de 3 mil milhões de pessoas estão numa situação de mal-nutrição, o que representa 40% da população.

A figura abaixo mostra que a fome crónica está fortemente concentrada na África subsariana e no Sul da Ásia. Mais de 1/3 da população na África subsariana, em especial a África central e do sul, é subnutrida. Já no Sul da Ásia, esses valores atingem os 20 e os 33%.

Mapa da fome traduzido em percentagem de sub-nutrição em 2013
(Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/78/Percentage_population_undernourished_world_map.PNG)

A fome oculta afecta não só aqueles com subnutrição crónica mas também aqueles que têm uma ingestão adequada de calorias mas uma variedade inadequada de nutrientes na sua dieta. A figura abaixo mostra as deficiências de micronutrientes (ferro, vitamina A e zinco) através de um índice.

Índice de fome oculta em 2013
(Fonte: http://globalnutritionreport.org/files/2014/10/S-and-L_Hidden-Hunger_2.jpg)

De nota as taxas elevadas de deficiências de micronutrientes nas regiões do Sul da Ásia, Ásia ocidental e central, África subsariana e a região dos Andes.

A obesidade assinala o outro extreme do espectro mal-nutrição e também causa um número tremendo de doenças e mortes prematuras. Como podemos observar na figura abaixo, Estados Unidos, México, Venezuela e diversos países do Médio Oriente e Norte de África, África do Sul e outros países apresentam taxas de obesidade acima dos 30%.

Prevalência da obesidade em 2008
(Fonte: http://www.downeyobesityreport.com/wp-content/uploads//Global_Obesity_BothSexes_2008.png)


A insegurança alimentar irá provavelmente piorar antes que aconteçam melhorias. Não só o número de pessoas mal-nutridas é enorme, mas também o sistema de produção e fornecimento de alimentos são desestabilizados pelas alterações climáticas e desastres ambientais. Para além disso, a procura global por cereais está a aumentar a um ritmo superior da população, o que coloca uma pressão no preço dos produtos. Será que a oferta conseguirá responder a estes desafios no futuro?

Fonte:
The Age of Sustainable Development - Jeffrey D. Sachs

domingo, 24 de julho de 2016

Saúde para todos: Mortalidade

A figura abaixo mostra a taxa de mortalidade das crianças com menos de 5 anos. Este número traduz o número de crianças com menos de 5 anos que morrem por cada 1000 nascimentos.

Taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos em 2010 
(Fonte: http://www.healthdata.org/)
A média a nível mundial para o período de 5 anos entre 2010 e 2015 foi de 52 mortes por 1000 nascimentos, de acordo com as estimativas da Divisão da População das Nações Unidas. Nos países mais desenvolvidos, a taxa foi 7 por 1000, enquanto nos países em desenvolvimento foi de 57 por 1000. Já nos países menos desenvolvidos, a taxa esteve no 99 por 1000. Entre as regiões do globo, a mortalidade nesta faixa etária é mais elevada na África subsariana (110/1000), seguida do Sul da Ásia (55/1000). Estas duas regiões são o epicentro dos desafio da extrema pobreza e saúde.

A próxima figura mostra um outro aspecto crucial da saúde pública: mortalidade materna. Esta traduz pelo número de mortes relacionadas com gravidez por cada 100.000 nascimentos.

Taxa de mortalidade materna em 2010 
(Fonte: http://imgur.com/DBpU4FN)
Este tipo de mortes varia consideravelmente entre países, uma vez que muito poucas mulheres morrem de causas ligadas à gravidez (16 em cada 100.000) em países ricos, quando comparadas com regiões pobres como a África subsariana, onde cerca de 500 mulheres morrem por cada 100.000. No entanto, a taxa de mortalidade materna nos países em desenvolvimento tem vindo a baixar bruscamente. Esta rondava as 440 mortes por 100.000 nascimentos em 1990, mas em 2010 esse valor já era de menos de 250 por 100.000 nascimentos. O mesmo aconteceu nos países menos desenvolvidos onde se registaram reduções significativas desta taxa, atingindo percentagens de diminuição superiores a 75% desde 1990.

Progresso na redução da mortalidade materna -1990 vs. 2013 
(Fonte: http://www.prb.org/)
Em geral, as causas de morte nos países mais ricos e mais pobres diferem. Os mais pobres morrem de muitas causas que matam os ricos: cancro, doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos como a diabetes. Mas os pobres também morrem de doenças que já não afectam os habitantes de países mais ricos como o sarampo, malária e outro tipo de infecções. Um princípio básico da saúde é que a subnutrição leva ao enfraquecimento do sistema imunitário e, por essa razão as crianças em países muito pobres, que provavelmente serão subnutridas, morrem de diarreia e infecções respiratórias que não afectariam uma criança mais bem nutrida num país desenvolvido.

As maiores causas de morte de crianças com menos de 5 anos em 2005 (Fonte: https://robbinsinfo.files.wordpress.com/2012/01/childsurvivalpie.png)

Fonte:
The Age of Sustainable Development - Jeffrey D. Sachs

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Saúde para todos: Serviço de saúde universal

A saúde está no centro do desenvolvimento sustentável. A saúde está no centro do bem-estar e é vital para toda a gente. Ela ajuda as crianças a não apenas sobreviver mas também a ser bem sucedidas, na sua aprendizagem, no caminho desde a escola até ao mundo do trabalho. Também permite à força de trabalho ser produtiva. Portanto, a saúde melhora a capacidade de uma comunidade de desenvolver capital humano e actividades económicas e atrair investimento.

A saúde tem sido olhada como uma necessidade e direito básicos. Tecnicamente o objectivo é atingir o mais alto padrão de saúde física e mental, dentro do conhecimento e tecnologia actuais. Cerca de 6 milhões de crianças em cada ano antes de atingirem cinco anos de idade, a maior parte delas em países em desenvolvimento e quase todas em resultado de doenças que podem ser tratadas e prevenidas; por outras palavras o objectivo de ter melhor saúde é atingível.

Tem-se verificado um progresso significativo desde 2000 e especialmente desde o ano de 2005. A ciência da saúde pública, os avanços na medicina moderna e o desenvolvimento em áreas como a produção de alimentos e infraestruturas urbanas levaram a grandes ganhos. No entanto, existem ainda grandes desafios. Todos os anos milhões de crianças, especialmente de países pobres, morrem de doenças que poderiam ser prevenidas ou tratadas através de um esforço bem implementado.

Por todo o mundo, a maioria das pessoas considera a saúde como sendo um bem de mérito - um bem que deveria ser acessível a toda a população. A saúde é geralmente considerada um bem, não só porque é vital para cada individuo de um ponto de vista moral e ético mas também de um ponto de vista prático. Uma doença indevidamente tratada pode ser uma ameaça para o resto da população ainda não afectada.

O grande processo da saúde pública, assim como o próprio desenvolvimento económico, é um das grandes conquistas da era moderna. No tempo da Revolução Industrial, a esperança média de vida a nível mundial era de 35 anos. Por volta de 1950, verificou-se um aumento da esperança média de vida (EMV), apesar de a maioria parte das pessoas ainda viverem na pobreza. As Nações Unidas estimaram que durante o período de 5 anos entre 1950 e 1955, a EMV era de 46 anos.

Esperança média de vida por regiões do Mundo
(Fonte: https://healthyplanetpro.files.wordpress.com)

Como podemos ver no gráfico, apesar de a EMV mundial se situava nos 46-47 anos, nas regiões mais desenvolvidas a EMV já ultrapassava os 65 anos. Enquanto que nas regiões menos desenvolvidas, as pessoas viviam em média 40 anos. De notar que os países sem acesso ao mar, a EMV era ainda inferior, cerca de 37 anos. O que reflecte a pobreza, o isolamento típico destas regiões e até a  sua geografia montanhosa. Em 2010, a EMV já atingia os 67-68 anos, o que significa que desde a revolução industrial, o seu valor quase que duplicou.

Uma relação que podemos estabelecer é uma entre o PIB e a EMV, em que se conclui que países mais ricos têm uma EMV superior aos países mais pobres. De notar também que a partir de um determinado nível de desenvolvimento, não existem grandes ganhos na EMV com o aumento do PIB per capita.

Esperança média de vida vs. Rendimento médio anual
(Fonte: http://www.oxfamblogs.org/fp2p/wp-content/uploads/life-expectancy-v-gdp.png)

Existe ainda outro ponto importante a tirar deste gráfico que é a parte mais à esquerda do gráfico onde estão os países menos desenvolvidos. Quando os países são muitos pobres, pequenas alterações incrementais no rendimento (de $1000 para $2000 anuais, por exemplo), conduzem a ganhos significativos na esperança média de vida.

Fonte:
The Age of Sustainable Development - Jeffrey D. Sachs